A Escola dos meus sonhos...

(Frei Beto e Paulo Freire)

Na escola dos meus sonhos... Os alunos aprendem a cozinhar, costurar, a consertar eletrodomésticos, fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficina de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coral e tocam na orquestra.

Uma semana por ano integram-se na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiros, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim, aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões subterrâneas que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos relatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula I e pesquisas do supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a História, na violência de policiais e cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores e escravos, etc.

Cidadão em vez de consumidores: na escola dos meus sonhos... a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem;a multiplicinaridade faz com que a História do Livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e de dança; e associa a História da Arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas.




Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai-de-santo do candomblé; o padre do catolicismo; o médium do espiritismo; o pastor do protestantismo; o guru do budismo etc. Se for católica há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da igreja.

Na escola dos meus sonhos... os professores são obrigados a fazer periódicos treinamentos e cursos de capacitação, e só são admitidos se, além da competência, comungam com os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga coma TV, mas a leva para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química analisada e comparada coma fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente; a visão de felicidade; a relação animador platéia; os tabus e preconceitos reforçados etc. Em suma, não se fecha os olhos à realidade: muda-se a ótica de encará-la.

Há uma integração entre escola, família e sociedade. A política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e um mês por ano setores não vitais da Instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados ás suas práticas.

Direito Universal: não há provas baseadas no prodígio da memória nem a sorte da múltipla escolha. Não há coincidências entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e recursos.

É mais importante educar, que instruir; formar pessoas, que profissionais; ensinar a mudar o mundo, que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade de corpo-espírito, e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos... os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para poderem se manter. Pois é a escola de uma sociedade onde educação não é privilégio, mas direito universal e, o acesso a ela, dever obrigatório.


(Frei Beto é escritor e co-autor, com Paulo Freire, de “Essa Escola chamada vida”,

publicado pela Editora Àtica. In: Jornal da Cidadania, fevereiro de 1999).


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